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O Cartel da Morte em Pindamonhangaba

Lucas Ribeiro, proprietário da funerária, Vito Ardito Lerário, ex-prefeito de Pindamonhangaba, Camilo, administrador da Santa Casa e o pai de Lucas, Paulo Ribeiro, cunhado do governador Geraldo Alckmin
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Uma trama envolvendo mortes, dinheiro, ambição, influência e poder, começa a ser desvendada pelo Ministério Público de Pindamonhangaba. A promotora Paula Gizzi de Almeida Pedroso Guirado, propôs uma Ação Cívil Pública em face do ex-prefeito Vito Ardito Lerário, Maria Conceição Bispo, ex-diretora do departamento de assistência social e Lucas César Ribeiro, sobrinho do governador Geraldo Alckmin e proprietário do principal velório da cidade.

A ação que possuí fortes indícios de improbidade administrativa, pede o reconhecimento da conduta ímproba dos três citados, a nulidade dos repasses feitos pela prefeitura desde 2007 à empresa de Lucas, o pagamento de multa e a proibição de contratar com o poder público. A promotora também pede que Vito tenha a suspensão dos direitos políticos por 8 anos, entre outros.

A tradicional família César Ribeiro já é velha conhecida da justiça. Isso porque seu patriarca, Paulo César Ribeiro, conhecido como “Paulão”, um dos 11 irmãos de Lu Alckmin e cunhado do governador Geraldo Alckmin, protagonizou juntamente com o ex-prefeito João Ribeiro e o ex-secretario de Finanças, Silvio Serrano, um dos maiores casos de corrupção envolvendo o município de Pindamonhangaba.

Conhecido no Brasil como Caso Verdurama, o esquema envolveu o direcionamento de licitação para distribuição de merenda escolar. A fraude teria durado 6 anos, entre 2005 à 2011 e desviado R$ 3 milhões dos cofres da prefeitura de Pindamonhangaba segundo o MP.

Ao que tudo indica, seu filho, Lucas César Ribeiro, que a época também foi citado no caso, tem trilhado o mesmo caminho do pai. Isso porque desde 2003, Lucas é proprietário e beneficiado do principal velório e funerária da cidade, que ao contrário do que muitos pensam, é particular.

Instalado em terreno da santa casa, o prédio foi construído em 1980, último ano de mandato do então prefeito Geraldo Alckmin.

Na ocasião, Geraldo autorizou a construção do velório com verba pública. Além disso, todo o investimento com equipamentos foi feito pelo município, e a Santa Casa ficou responsável pela administração, com o objetivo de ser um serviço de baixo custo para população, tendo em vista ser de extrema utilidade pública.

E assim foi feito pela Santa Casa até 2003, ano em que a instituição, através do seu administrador Camillo Alonso Filho, terceirizou os serviços para a empresa de Lucas, sobrinho do governador. Não se sabe se o fato decorreu devido a influência de Geraldo ou até mesmo interferência pessoal direta.

Em 2015, o vereador Osvaldo Negrão, através do requerimento 1383/2015 solicitou explicações referente a situação do velório, uma vez que a população estava insatisfeita com o alto custo de um serviço de péssima qualidade.

O requerimento que foi também foi encaminhado ao Ministério Público, obteve algumas respostas inconsistentes do executivo. No entanto a promotora Paula Gizzi de Almeida Pedroso Guirado, responsável pela promotoria que envolve improbidade administrativa, constatou indícios de irregularidades e instaurou um inquérito civil que recentemente evolui para uma Ação Civil Pública contra o então prefeito Vito Ardito Lerário, Maria Conceição Bispo, ex-diretora do departamento de assistência social e Lucas César Ribeiro, proprietário da funerária.

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Fachada do velório que foi construído no terreno da Santa Casa de Misericórdia. Foto: Google Street View

ENTENDA O CASO

1980 – Geraldo Alckmin, então prefeito de Pindamonhangaba, autoriza a construção do velório e funerária com investimento público no terreno particular da Santa Casa de Misericórdia. O auxílio foi feito através da lei municipal 1661/80. Além disso, o Município concedeu subvenção para aquisição dos equipamentos necessários para o funcionamento do velório e funerária, conforme Lei nº 1693/80.

O diretor de planejamento à época, Paulo de Andrade, de informações e despachos da Prefeitura Municipal, decidiu que a Prefeitura daria à Santa Casa a concessão dos serviços de velório e funerais do município, revertendo toda a renda à Santa Casa.

“A Prefeitura concederá à Santa Casa através de Lei e Convênio a exploração dos serviços de velório e funerária, possibilitando assim um melhor atendimento à população, desses serviços, com menor custo.”

Após, para viabilizar o convênio, foi editada a Lei nº 1.661, de 05 de fevereiro de 1980, que dispôs sobre a concessão de um auxílio, no valor de Cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros), à Santa Casa, para a construção do prédio para velório em terreno de sua propriedade, e a Lei nº 1.693, de 17 de setembro de 1980, que autorizou a concessão de subvenção à
Santa Casa de Cr$ 268.980,30 (duzentos e sessenta e oito mil e novecentos cruzeiros e trinta centavos) para aquisição de equipamentos destinados ao Velório da Santa Casa.

Desde então, os serviços funerários que eram explorados pela Prefeitura passaram a ser de responsabilidade da Santa Casa.

2003 – A Santa Casa de Misericórdia alugou o imóvel equipado para a empresa privada Lucas César Ribeiro ME, no dia 05 de agosto de 2003, concomitante à própria criação da empresa, no dia 30 de julho de 2003, para que esta explorasse os serviços funerários e de velório no município.

A partir de agosto de 2003, a Santa Casa alugou o imóvel pelo período de 60 meses e transferiu a exploração do serviço funerário e de velório à empresa privada Lucas César Ribeiro Velório – ME, sem qualquer procedimento licitatório.

Verifica-se ainda que a empresa Lucas César Ribeiro ME foi constituída exclusivamente para assumir a execução dos serviços funerários e de velório no lugar da Santa Casa, beneficiando-se da locação de imóvel construído e equipado pelo município e da transferência da execução dos serviços, que havia sido concedido à Santa Casa, mediante autorização legislativa.

Procedimento semelhante ocorreu no caso envolvendo a empresa Verdurama, alvo de Ação Civil Pública nº 0002883-79.2011.4.03.6121, em trâmite perante a 1ª Vara Federal de Taubaté, na qual Lucas César Ribeiro afirmou “ter tomado conhecimento de que a Verdurama precisava de serviços de transporte em um posto de gasolina, motivo pelo qual procurou pela empresa e, em contato com uma mulher de nome Lígia ou Lídia, acertou a prestação de serviços.

2007
– Lucas passa a receber repasses da municipalidade para a execução dos serviços funerários sem qualquer procedimento licitatório prévio, o que também viabilizou apresentar orçamento prévio com valor muito inferior ao apresentado por outra empresa.

Com isso, a empresa requerida foi beneficiada em detrimento de outras empresas locais do mesmo ramo e, sobretudo, do interesse público local, o que foi tolerado pelo chefe do Poder Executivo desde 2003 até o ano de 2010.

2010 – Realizada licitação na modalidade pregão, sob nº 149/10, e no ano de 2013 realizou outro pregão, sob nº265/13, sendo que nas duas compareceu uma única empresa interessada, a empresa Lucas César Ribeiro ME, apesar da existência de outras quatro empresas do mesmo ramo no município, também interessadas na prestação do serviço licitado.

Instaurado procedimento licitatório, foi feita pesquisa prévia de preços com as empresas Nilton César Vieira ME e Lucas César Ribeiro Velório ME, as quais apresentaram os preços de R$ 250.500,00 e R$ 211.200,00, perfazendo a média de preço de R$ 230.850,00, valor que inviabilizou a participação de outras empresas interessadas.

Outras empresas do ramo estavam interessadas e poderiam ter participado da licitação, com propostas mais vantajosas ao interesse público e, no entanto, foram prejudicadas em razão da locação à empresa requerida do imóvel construído e equipado com dinheiro do município para a exploração do serviço pela Santa Casa, e que visava atender à população carente.

Deste modo, houve o direcionamento da licitação à empresa requerida, em desrespeito aos princípios da isonomia entre os interessados e a obtenção de proposta mais vantajosa ao interesse público. Referidos procedimentos licitatórios estão eivados de irregularidades, pela escolha da modalidade e pelo direcionamento à empresa vencedora, com cláusulas que restringiram a competitividade de outras empresas locais, interessadas em participar do certame.

Ante a contratação da empresa Lucas César Ribeiro ME pelo município, a Santa Casa renovou o contrato de aluguel do imóvel a partir de 05/08/13.

Ficando constatado então que desde agosto de 2003 a empresa de Lucas vem se beneficiando com a utilização do imóvel e transferência da prestação de serviços funerários e de velório pela Santa Casa, bem como com repasses efetuados pela Prefeitura desde 2007.

Nossa reportagem esteve na empresa de Lucas e constatou que o valor somente para locação do velório varia de R$ 450,00 (sala pequena) e R$ 950,00 (sala um pouco maior). Caso a pessoa queira o funeral completo, o valor pode chegar à R$ 6 mil reais, dependendo do caixão. No entanto, o único velório concorrente de Lucas, com qualidade evidentemente superior, cobra um valor menor dos clientes.

Pessoas que já utilizaram o serviço afirmam que além da falta de higiene e limpeza adequada o prédio e os equipamentos estão sucateados.

CONCORRÊNCIA DESLEAL

As demais funerárias da cidade afirmam que o valor cobrado pelo velório de Lucas é abusivo. “Nós temos que cobrar barato para pegar o serviço, depois tem os custos do velório que temos que repassar ao Lucas e despesas com caixão e outros itens, acaba não sobrando quase nada, é injusto.” afirmou um concorrente.

Ja Lucas se beneficiaria por ter toda estrutura à sua disposição, com baixo custo operacional.

Quase a totalidade dos falecimentos na cidade, ocorrem ou na Santa Casa ou no Pronto Socorro Municipal, ambos administrados pela mesma instituição. “Até alguns anos atrás todos que morriam eram levados para um necrotério dentro do velório ao lado da Santa Casa, e a família já fragilizada, na maioria das vezes acabava fazendo o serviço ali mesmo. Se a pessoa quisesse outra funerária, a empresa tinha que ir la e buscar o corpo.” diz uma testemunha.

Pelo que ficou evidenciado, a morte se tornou um negócio lucrativo em Pindamonhangaba para a familia César Ribeiro, que também possui um cemitério particular.

A ação civil pública será julgada por um juiz que em breve poderá determinar os rumos desta atividade de suma importância para os cidadãos da cidade.

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