
Em um cenário onde a segurança pública enfrenta desafios crescentes, os peritos criminais do estado mais rico do Brasil vivem uma contradição alarmante. São Paulo, referência nacional em perícia criminal e responsável pelo maior volume de trabalho forense do país, ocupa a 17ª posição no ranking salarial da categoria, elaborado pela Associação Brasileira de Criminalística, revelando um quadro de desvalorização que tem levado ao adoecimento coletivo desses profissionais. “A polícia do Estado de São Paulo está doente. Isso não é algo que a gente observa só em relação aos delegados ou aos peritos. A polícia, de uma forma geral, está doente e o Estado e as nossas instituições não sabem como lidar com isso”, afirma Bruno Lazzari, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP).
Lazzari identifica três fatores principais que têm contribuído para o colapso da saúde mental na categoria: salários defasados, volume excessivo de trabalho e falta de efetivo – o que ele denomina como “tríade do mal”. Os números são reveladores. Enquanto a média salarial nacional dos peritos criminais teve um aumento real superior a 80% na última década, em São Paulo esse percentual não chegou a 40%. O salário inicial de um perito criminal paulista é de R$ 13.739, metade do que ganham os peritos criminais federais e de Santa Catarina (R$ 27.737,24), que pagam os melhores salários iniciais aos seus profissionais.
A disparidade fica ainda mais evidente quando comparada a outros estados. Em Rondônia, por exemplo, o valor inicial é de R$ 16.601,77. Mais próximo geograficamente, Santa Catarina paga aos seus peritos o dobro do que recebem os profissionais paulistas. “Os policiais que mais trabalham são os policiais que menos recebem”, reforça Lazzari.
Sobrecarga histórica e déficit de pessoal
O desequilíbrio entre demanda e capacidade operacional é outro fator crítico. Os peritos paulistas representam apenas 19% do efetivo nacional, mas são responsáveis por 54% das requisições policiais do Brasil. “O estado de São Paulo produz uma média de 1 milhão de laudos por ano. O segundo estado que mais produz é Minas Gerais, 400 mil. O terceiro, 250 mil. Olha a diferença”, enfatiza o presidente do sindicato.
Além da disparidade salarial, os peritos criminais paulistas enfrentam um déficit funcional de aproximadamente 20%, o que intensifica ainda mais a carga de trabalho individual. Essa combinação de fatores tem criado um ambiente propício para o surgimento de problemas de saúde mental entre os profissionais. “A maior parte das demandas que recebo por telefone é de colegas perguntando como proceder para a licença saúde por problemas relacionados à saúde mental. E o pior é que o Estado não oferece um atendimento adequado aos seus policiais”, conta Lazzari.
Fuga de talentos e perda de expertise
Um dos efeitos mais graves dessa situação, segundo Lazzari, é o aumento significativo da evasão de profissionais. “Nos últimos três anos, tivemos um aumento de 4% para 18% no índice de evasão”, revela. O mais preocupante é que esses profissionais não estão abandonando a carreira pública, mas migrando para outros estados com melhores condições salariais. “Nós formamos os profissionais aqui, eles adquirem experiência, porque, sem dúvida nenhuma, o estado de São Paulo é um estado com um índice muito grande de atendimento na área policial. Eles levam essa experiência para se aplicar em outros estados. Nós estamos perdendo os melhores profissionais”, lamenta.
Essa situação não apenas compromete a saúde dos profissionais, mas também pode afetar a qualidade e a eficiência dos serviços prestados à população. A perícia criminal é fundamental para a elucidação de crimes e para garantir que o sistema de justiça funcione adequadamente, baseado em evidências científicas sólidas.
A situação dos peritos criminais paulistas levanta questões importantes sobre as prioridades do estado em relação à segurança pública e à valorização dos profissionais que atuam nessa área. “Enquanto não houver um reconhecimento adequado do papel dos peritos para a segurança público, tanto em termos salariais quanto de condições de trabalho, o cenário de adoecimento e evasão tende a se agravar. E isso compromete a capacidade do estado de oferecer uma resposta eficiente ao tanto de demanda que temos”, conclui Lazzari.